O Grande Mentecapto é um romance do escritor brasileiro Fernando Sabino, autor pós-modernista, publicado em 1979; narra as aventuras de Geraldo Viramundo, espécie de Dom Quixote brasileiro, que percorre Minas Gerais.O início do livro mostra que Geraldo foi um menino como qualquer outro, tivera suas maluquices e peraltices. Nasceu e passou a infância em Rio Acima, fazendo tudo o que os meninos da sua idade costumavam fazer. Brincou muito no rio de sua terra. Certa vez, ele apostou com quinze amigos que conseguiria fazer parar o trem que atravessava direto sua cidade. Ele se plantou no meio dos trilhos, obrigando o maquinista a frear a composição, enquanto xingava muito o menino. Com essa proeza, Geraldo vira um herói entre seus companheiros. A narrativa apresenta diversas referências quixotescas, e de modo cômico e emocionante retrata como a vida pode surpreender quando menos se espera.
Um dia, de conversa com o Padre Limeira, Geraldo manifestou vontade de ser padre. Houve choradeira geral em casa, mas ele foi para o seminário em Mariana. Pouco se sabe de sua vida lá. Certa vez, ele se meteu num confessionário e ouviu as inconfidências da viúva Correia Lopes, D. Pretolina, vulgarmente chamada de Peidolina. Descoberta a malandragem, o seminarista Geraldo Boaventura foi expulso do seminário. Mais tarde se põe em defesa da viúva, leva uma pedrada e é expulso da cidade aos gritos e empurrões. E começou a palmilhar os caminhos da vida: tinha 18 anos e passou a se chamar de Viramundo.
Viramundo percorre diversas cidades, sempre em busca da liberdade. Em Ouro Preto, ele conhece a amada do seu coração: Marília Ladisbão, filha de Clarismundo Ladisbão, Governador de Minas Gerais. O amor lhe trouxe muitas amolações. No meio dos estudantes que vão representar para o Governador, atrapalha tudo, erra o seu papel, é surrado e acaba num hospital. Numa festa ao Governador, Viramundo se mete em comilanças e acaba com uma irresistível dor de barriga. O toalete estava ocupado e ele não podia esperar. Subiu uma escada, encontrou um cano, certamente do esgoto, e o jeito foi se aliviar ali mesmo. Na verdade, o cano era um condutor de ar, saindo em cima de um ventilador. Obviamente, o resultado foi catastrófico: a festa acabou e o Governador se foi.
Sem a presença da amada, Viramundo deixa Ouro Preto. Esteve em Barbacena, acabou num hospício e candidato a prefeito. Na cidade, gastou o seu francês com o grande escritor Bernanos. Depois foi servir à Pátria num quartel, onde conheceu o capitão Batatinhas e o tenente Freitas, que ele logo apelidou de "Fritas". Foram tantas e tamanhas as suas atrapalhadas que acabou sendo devolvido à simples vida civil.
Já completamente perturbado, Viramundo circula por inúmeras cidades de Minas Gerais, deixando lembranças em todas elas. Até os profetas do Aleijadinho, em Congonhas, conheceram o grande mentecapto. Em Belo Horizonte, metido com uma multidão de gente miúda, mendigos, prostitutas, vagabundos, desocupados, injustiçados, arraia-miúda, ele faz uma revolução. Com apoio de muitos políticos da oposição, parlamenta com o governador, mas nada resolve. A polícia cercou a Praça da Liberdade, dissolveu a multidão e acabou com a revolução do herói Viramundo. Acompanhado apenas por dois amigos fiéis, o Capitão Batatinhas e o vendedor de esterco Barbeca, Viramundo se meteu em direção do Rio de Janeiro. Em protesto cívico, diante do Presidente, iam reivindicar os direitos de todos os injustiçados. Não chegou lá. No meio do caminho, perto de sua terra, foi amarrado, espancado e, com uma estocada no peito, fechou os olhos para este vale de lágrimas. Geraldo Boaventura, 33 anos, sem profissão, natural de Rio Acima, foi enterrado como indigente numa cova rasa do cemitério local.
Viramundo é um jovem ingênuo que tenta se adequar a uma sociedade excludente e preconceituosa, que busca eliminar o diferente, como forma de purificar seu espaço. Porém, o que se nota é que a despeito deste comportamento por parte da maioria das pessoas, em todos os lugares por onde passa, Viramundo faz amigos e encontra quem lhe ajuda.
O autor, numa linguagem próxima do leitor, de diálogo e conversa com quem o lê, semelhante a Machado de Assis, transforma o leitor em um sujeito ativo no processo de leitura e compreensão. Apesar do uso de um vocabulário rico e diversificado, o senso de humor se torna perceptível no jogo de palavras e de idéias, nos trocadilhos e na escolha dos nomes das personagens.
Viramundo transforma-se em um Dom Quixote brasileiro, cheio de sonhos irrealizáveis, não ambiciona os bens materiais e venera sua amada Marília, da mesma forma que o personagem espanhol em relação a sua Dulcinéia e tenta resolver os conflitos com os quais se depara heroicamente.
O herói é incompreendido por muitos em seus ímpetos e atitudes precipitadas, mas não por aqueles que conseguem enxergar a pureza e simplicidade de sua alma.
É uma grande obra do consagrado autor, conhecido geralmente por suas crônicas humorísticas, no entanto neste livro revela seu apurado senso crítico, de justiça e leva o leitor à reflexão sobre os limites entre a loucura e a lucidez.
Vale lembrar a possibilidade se estabelecer relações de intertextualidade com O alienista, de Machado de Assis e com as passagens bíblicas da Via Sacra de Cristo, além de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes.

Em “O Grande Mentecapto”, Fernando Sabino narra um encontro imaginário entre Geraldo Viramundo e o escritor francês Georges Bernanos. O autor que tanto interessou Sabino foi um dos maiores romancistas em língua francesa do século XX e morou no Brasil entre 1938 e 1945. Sua obra tem sido publicada no Brasil pela É Realizações Editora, e agora sua passagem pelo país é narrada ao público local. O estudo de Sébastien Lapaque “Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil (1938-1945)” acaba de ser publicado, trazendo à luz a visita de Bernanos a várias cidade do Rio de Janeiro e Minas Gerais, sua estadia no sítio Cruz das Almas, sua revolta contra a mediocridade dos intelectuais e a ascensão do totalitarismo, sua amizade com pensadores brasileiros e a visita que Stefan Zweig lhe fez à véspera de se suicidar.
ResponderExcluirMatérias na Folha de S. Paulo a propósito do lançamento do livro: http://goo.gl/O8iFve e http://goo.gl/ymS4lL
Para ler algumas páginas de “Sob o Sol do Exílio”: http://goo.gl/6hAEOM
Confira também:
Diálogos das Carmelitas: http://goo.gl/Yy3ir3
Joana, Relapsa e Santa: http://goo.gl/CAzTTk
Um Sonho Ruim: http://goo.gl/Kd091z
Diário de um Pároco de Aldeia: http://goo.gl/ISErLc
Sob o Sol de Satã: http://goo.gl/qo18Uu
Nova História de Mouchette: http://goo.gl/BjXsgm